Sauternes e Barsac : Os Grands Crus Classés

POR CLAUDE PEYROUTET

Os prestigiosos vinhos licorosos da região do Sauternes nascem a 40 km acima de Bordeaux, entre a margem esquerda do rio Garonne e a imensa floresta de Landes. Esse terroir parcimonioso de mais ou menos 2.200 hectares coresponde as cidades de Sauternes, Bommes, Fargues, Preignac e Barsac. Elas beneficiam todas da DOC Sauternes mas, em Barsac, os produtores podem escolher entre essa DOC e sua irmã gêmea, a DOC Barsac, fundadas sobre as mesmas regras de produção

Podemos roubar seu nome mas nunca a natureza desses vinhos de quintessência, oriúndos de rendimentos incrívelmente baixos, invejosos de sua identidade mesmo se é necessário pagar um pesado tributo ao micro-clima caprichoso responsável pela famosa podridão nobre. As 26 grands crus de Sauternes e Barsac, classificados em 1855, para a Exposição Universal de Paris, são os melhores fiadores da excelência do Sauternes. Há140 anos, seus proprietários sucessivos, conscientes da sua responsabilidade, souberam engendrar esses elixires de altos riscos, de origem lendária, que gostamos de saborear por eles mesmos ou fazer harmonizações bem surpreendentes.

Os Terroirs do Sauternes:
Uma predestinação geológica

A feliz predestinação vinícola da região do Sauternes explica-se em primeiro lugar pelo dado geológico dos dois terroirs que a compõem.
Na margem direita do rio Ciron, afluente do rio Garonne, as cidades de Preignac, Fargues, Sauternes e Bommes, que constituem a região de Sauternes propriamente dita, pertencem a um platô inclinado em direção a leste com um substrato de calcários de ostras, de margas ou de areias argilosas, todos da era terciária. Na época das grandes glaciações quaternárias, esse substrato foi recoberto por enormes camadas de cascalho trazidos pela Garonne, ou melhor as Garonnes, porque este rio ocupou sucessivamente vários leitos, de oeste para leste. Dados científicos recentes levam a pensar que a Garonne decompunha-se em canais mais ou menos parallelos, freqüentemente dotados demeandros por isso a constituição de gigantescos terraços fluviais sobre as margens retilíneas e os depósitos nas margens côncavos ou no fundo das águas. A favor de um aquecimento climático, as geleiras derreteram, o nível do oceano aumentou, as correntes tornaram-se lentas, e os aluviões se depositavam. Com uma nova fase glacial, o nível do oceano abaixou, as correntes tornaram-se mais rápidas e escavaram novamente o seu leito nos depósitos precedentes. Assim se explica a superposição dos terraços e sua complexidade geológica. Os mais altos e mais antigos estão a oeste, as mais baixas ao este.

Empilhados sobre numerosos metros, os cascalhos de Sauternes corespondem as morainas arrancadas dos Pireneus e do Maciço Central pelo Garonne e seus afluentes. Como os maiores elementos bastante raros é verdade, atingem um metro de comprimento, os geológos afirmam que seus transportes eram feitos em jangadas de gelo! Geralmente, esses cascalhos são pedras ovóides de dimensões variáveis – um a vários centímetros– misturados a uma matriz calcária ou argilosa, mais freqüentemente arenosa. Reconhecemos os quartzos brancos ou cor de rosa, os lídios pretos e os arenitos esverdeados provenientes da montanha pireneana, os conglomerados do Albigeois e mesmo os basaltos e as bombas vulcânicas da Montanha Negra, como atesta a surpreendente coleção mineralógica do Château de Rayne-Vigneau.

A erosão transformou esses cascalhos em montículos minerais de baixo relevo , entre quinze e sessenta metros de altitude, que formam a paisagem. Bem drenadas pelo Ciron ou os rios da região, elas dão solos de cor branca dominante que captam perfeitamente os raios solares para o melhor bem estar da videira. Melhor, os riscos de geada diminuem graças a restituição noturna do calor acumulado. As raízes das vinhas atravessam os solos para buscar a água e os sais nutritivos profundamente, as vezes com mais de dez metros, ao contato das primeiras camadas porosas ou impermeáveis. Elas encontram assim um meio estável que escapam aos excessos de chuva, a seca de um verão as vezes tórrido e mesmo as variações de estrume.

Duas apelações em eco

SAUTERNES

DATA DA DOC
30 de setembro de 1936

Natureza do vinho
Branco licoroso

CASTAS
Sémillon, sauvignon, muscadelle

TERROIR
Cidades de Sauternes, Bommes, Fargues, Preignac, Barsac

SUPERFÍCIE DE PRODUÇÃO
1.550 ha

Rendimento Autorizado
25 hl/ha

COLHEITA
Recolta por r ordenação de uvas « podres nobres »

Mostos
Ao menos 221 g de açúcar natural por litro

VINHO
Degrau alcoólico mínimo de 13° de alcoól total, cujo 12.5° de alcoól adquirido

PRODUÇÃO
33.000 hl por ano

BARSAC

DATA DA DOC
30 de setembro de 1936

Natureza do vinho
Branco licoroso

CASTAS
Sémillon, sauvignon, muscadelle

TERROIR
Cidade de Barsac

SUPERFÍCIE DE PRODUÇÃO
600 ha

Rendimento Autorizado
25 hl/ha

COLHEITA
Recolta por r ordenação de uvas « podres nobres »

Mostos
Ao menos 221 g de açúcar natural por litro

VINHO
Degrau alcoólico minimo de 13° de alcoól total, cujo 12.5° de alcoól adquirido

PRODUÇÃO
15.000 hl por ano

Em Barsac, o produtor pode escolher entre a DOC Barsac e a DOC Sauternes

Em Barsac, na margem esquerda do Ciron, o cenário é diferente. Os solos são também favoráveis a videira, mas por outras razões. O substrato é uma plataforma de calcário com astérias, literalmente karstificadas, então com muitas fissuras e permeável. Os depósitos de cascalho mais de areias eólicas que se tinham acumulados no início da era quaternária foram limpos pela erosão e somente permanecem, nas videiras, algumas grossas pedras. Pontilham os solos vermelhos típicos dessa terra, herdeiros das areias grosseiras levemente argilosa que ventos impetuosos levaram até là, no final da glaciação mendeliana. Aqui temos então solos magros, de quarenta a cinquenta centímetros de espessura, que atravessam as raízes para colonizar a pedra calcária. Essa originalidade pedológica justifica a existência da DOC Barsac.
Nas cinco cidades do Sauternes, um passeio atentivo é suficiente para constatar que os melhores terroirs, são aqueles cujos solos são magros e bem drenados, e estão occupados pelos grands crus. Os cimos e encostas bem expostas dos montículos de cascalho do Sauterne ou as terras vermelhas-tijolo no calcário fissurado de Barsac constituem o indispensável prólogo mineral ao nascimento dos grandes vinhos.

As castas: uma tríade branca

As geleiras, os Garonnes, o Ciron que, ele também, mudou de trajeto para tornar mais… meridional, as nevascas em fúria fizeram seu trabalho mas, sem o homem que quis o vinhedo e preferiu as castas brancas, esses espaços inspirados teriam permanecidos desolados ou selvagens.

O sémillion é provavelmente originário do Sauternes. Ele está presente no Bordalês há pelo menos quatro séculos e sua boa resistência ao míldio e ao oídio permitiram permanecer e de suplantar o sauvignon quando essas doenças quase destruiram o vinhedo, de 1851 até 1885. É incontestavelmente o rei branco dos Grands Crus Classés de Sauternes: ele occupa mais de 80% das plantações, e até 100% em algumas propriedades. É porque ele desenvolve perfeitamente suas virtudes no Sauternes e Barsac. Assim, como seus brotos s não se abrem todos ao mesmo tempo, é mais refratário as geadas tardias da primavera. Na maturidade, seus belos cachos cilíndricos de um branco delicadamente dourado oferecem uma espessa película de seus bagos ao famoso botrytis, o cogumelo minúsculo e benéfico que dará a “podridão nobre”. Os sucos são de uma grande fineza aromática, seu sabor ligeiramente almiscarado. Os puristas dizem mesmo que percebemos notas de damasco, de laranja ou de fumado que seriam o prelúdio ao esplêndido vinho que eles vão dar.

O sauvignon é o brilhante segundo. Ele que dá vinhos secos famosos em Pouilly, Sancerre e em Graves, encontra condições bem favoráveis . Preguiçoso ao brotar o que lhe impede os inconvenientes de abril, ele floresce e amadurece antes do sémillion. Esses pequenos cachos em tronco de cone oferecem então ao botrytis a sólida película dos seus grãos ovoides e amarelo ouro. As polpas suculentas suaves e levemente moscateada (com um bom nível de acidez) são um bom presságio para os vinhos que virão. Tantas razões para justificar o lugar do sauvignon: até 20% do blender das castas dos Grands Crus.

A muscadelle volta de longe. Mal amada do Bordalês de onde é nativa, ela quase desapareceu por causa de fraqueza congenital: apesar do aparecimento tardio que lhe protege de uma geada tardiva, ela resiste mal ao oídio e a podridão cinzenta. Portanto, quando essa última foi poupada dos grandes cachos piramidais, os esplendidos bagos brancos e manchados atraem a podridão nobre e dão suco muito doce, ligeiramente moscado e moscadeado, digno de participar na alquímia dos grandes licorosos. Ausente de oito propriedades, a muscadelle permanece álias mas segundo uma modesta porcentagem de 2 até 5%, 12% nos melhores casos. Contudo, desde que clones mais resistantes foram criados, ela tem um grande retorno em certas produções.

A escolha das castas e de sua importância respectiva é um parâmetro importante da personalidade dos grands crus classés. Embora, ele resida na estrutura e na textura dos solos, assim como nas condições climáticas, as vezes tão particulares. Mas, além desse determinismo natural, a pesquisa de um tipo de vinho sempre foi essencial.

A « podridão nobre »: jogos de névoas e de sol

O Sauternes beneficia da leveza do clima da região Aquitaine: invernos molhados mas clementes, primaveras úmidas e quentes que favorecem a brotação mas acentuam, os danos das geadas tardias, verões moderamente quentes que asseguram um amadurecimento muito progressivo, particularmente própicio aos vinhos brancos porque ela evita os excessos de açúcar e os déficits de acidez. Mas atenção aos granizos devastadores e as chuvas tempestuosas que podem destruir uma colheita!

Uma vez esquecidas as ansiedades da primavera e do verão, o outono instala-se. É a estação mágica onde se revela o micro-clima do Sauternes, que faz e desfaz safras.

Desde o fim do mês de setembro, do Garonne e do Ciron, seu afluente sombreado e mais frio, surgem as névoas da manhã. Bloqueadas pela floresta de pinheiros, elas cobrem o vinhedo e são então favoráveis ao desenvolvimento do botrytis cinerea, o minúsculo criptogame instalado nas uvas. Mas o sol atravessa e dissipa essas névoas a partir do final da manhã, liberra o céu azul e dispensa seu doce e beneficente calor : o botrytis teve tempo de atacar as peliculas, que ele perfura literalmente, e a polpa permanece intacta. Tal é o fenômeno da podridão nobre, essa aberrante frutificação criptogâmica que provoca a evaporação da água dos bagos e uma concentração extraordinária do mosto. Os grãos, em princípio manchados de castanho, escurecem completamente até tornar “podres cheios” e depois murcham, tomam um aspeto amassado e são ditos “assados” ou “podres nobres”. Chegou o momeno de colher.

Como o amadurecimento é quase sempre muito iregular, segundo as castas, a exposição ou o lugar dos bagos no cacho, a vindima efetua-se por “seleções”, ou seja, várias vezes. A cada passagem, pegamos os cachos, as porções de cachos ou os grãos suficientemente “assados”, daí o termo de “seleção”. Começadas geralmente por volta do primeiro de outubro, as vindimas podem durar até novembro, em dezembro nos casos extremos. Nos grands crus, passamos geralmente cinco ou seis vezes, noves ou dez certos anos. Essas seleções são confiadas a vindimadores da região, qualificados e atentivos, que manuseam com precaução suas tesouras afiadas. Avançam muito lentamente, como os acostumados de algum rito essencial que impede a alegria barulhenta e vulgar ou as ações automáticas, numa serenidade quase religiosa. Em Sauternes, nada de usar a máquina para vindimar. Nenhuma mecânica, nenhum robô poderia substituir o olho agudo e a inteligência dos vindimadores.

Certos anos onde o botrytis é ausente e raro, torna-se impossível produzir um verdadeirovinho licoroso. Quando a chuva vem e prolonga-se, toda a vindima pode ser destruída porque o botrytis volta aos seus maus instintos e só traz podridão cinzenta. Quer dizer quais sacrifícios condena a produção desses vinhos de grande raça. Seus preços, julgados muito altos pelos consumidores poucos informados, justificam-se por esses riscos constantes e custos adicionais de mão-de-obra. Tanto que os rendimentos, limitados a 25 hl/ha pelos decretos da DOC, abaixam de fato, nos grands crus a 15 ou 10 hl.

Um cogumelo versatíl: o botrytis cinerea

Em Sauternes e Barsac, só colhemos a uva quando ela é podre. “Você disse podre”? – Sim podre. Mas “podre nobre”. Seus bagos são então arroxeados, rugados, secos e cobertos por uma camada esbranquiçada que evoca a cinza, daí o nome “botrytis cinerea”, literalmente o cacho cinzento, dado ao cogumelo microscópico que provoca esse estranho fenômeno.

Com duas condições indispensáveis: a perfeita maturidade das uvas e a alternância diária das névoas de manhã e do sol a tarde que permite a esse criptogamo um pouco louco de atacar-somente a película dos bagos.

Graças as fissuras e aos burracos que convêm seu envelope, os bagos se desidratam por evaporação e o suco concentra-se até tornar-se o delicioso doce dourado. Como o botrytis queima mais acídos que açúcares, os segundos ganham e farão um mosto mais suave. Ao mesmo tempo, o cogumelo sintetiza glicerina, garantia de suavidade e untuosidade. Mas ele é tão astuto que provoca uma fixação parcial das matérias azotadas e a aparição de um antibiótico, a botriticina: o trabalho das leveduras será então muito difícil durante a fermentação. Isto não é tudo. Brincalhão, ou quem sabe, diabólico, o botrytis cinerea ataca-se raramente a totalidade da colheita e, de qualquer maneira, avança, come e digere grão por grão, o que obriga os vindimadores a praticar numerosas seleções, ou seja de passar várias vezes para apanhar os cachos ou os grãos corretamente “assados”.

Se chuvas infelizes ocorrerem então vindima corre o riso de ficar comprometida porque a água penetrará facilmente nos bagos e diminuirá o teor em açúcar. Deus nos livre que a chuva pare e que o sol conserte o mau. Se, por infórtunio, ela continuar ou voltar, é provável a aniquilação das esperanças. A podridão torna-se cinzenta e engendra a explosão dos bagos. REsta a esperar, esse ano, algumas seleções providenciais a partir das quais poderemos ainda produzir um vinho digno da classificação de 1855.

Segredos de vinificação: o rigor e a paixão

Os rendimentos espartanos necessários a concentração dos sucos e a exaltação aromática são devidos em parte ao botrytis pois ele é capaz de reduzir uma vindima potencial de 40 hl/ha a quase 18 hl. Contudo, o botrytis se decepcionaria se aplicado a uma matéria pobre e inexpressiva, resgate de fortes rendimentos em potência. A sabedoria e a inteligência dos produtores conduzem-lhes então a práticas vitícolas próprias a reduzílos. Assim a densidade usual de plantação será de 6500 até 7500 videiras por hectare. É importante a prática de utilizar pouquíssimos estrumes, exclusivamente para assegurar os equilíbrios húmicos. E sobretudo a utilização da poda curta de modo a respeitar essa regra ancestral de um a três copos de Sauternes por videira! O sauvignon é sempre podado em guyot simples com cinco ou seis olhos, mas para o sémillon ou a muscadelle, é a poda do Sauternes em gama, dito “à cot”, que domina nitidamente. É um copo com dois ou três braços no mesmo plano e treliçados em fio de ferro. Cada braço possui um “courson”, ou “cot”, severamente talhado com dois ou três olhos, de maneira a obter seis ou oito cachos smente.

As práticas vinícolas, desde a recepção da vindima ao engarrafamento, refletem o mesmo rigor, a mesma paixão que se traduz por escolhes, experências originais, a luz das mais veneráveis tradições ou dos últimos progressos da enologia, essa ciência suave e humanista que prefere prevenir que curar. Assim, em certaspropriedades, vinificamos por lotes, cada lote representando um dia de seleção. Em outro lugar, revivemos com o costume de vinificar a parte os mostos excepcionais de 22 a 24 graus potenciais para uma produção específica. Outros colhem o sauvignon com simples maturidade, para preservar a fineza aromática e a acidez que faz os vinhos mais frescos e mais nervosos, enquanto que os defensores de sauternes inebriantes e carnudos esperam um maximo de podridão nobre. Por todos os lados, é óbvio, vinificamos por casta tendo em vista os futuros blends.

Se alguns crus praticam um ligeiro esmagamento da vindima e apoiam os esforços da prensa, a maioridade não o fazem. O esmagamento, direto ou não, exige uma atenção e ajustes meticulosos, que usamos a prensa vertical tradicional, ou a prensa horizontal ou a prensa pneumática. A primeira prensagem, que libera os três quartos do mosto, é de uma boa qualidade organoléptica mas as mais ricas em açúcar são as duas seguintes. Suaves e lentas, respeitosas da uva, as prensas oferecem verdadeiros sucos, nervosos e perfumados. Sua fermentação só começará depois de uma ligeira débourbage leve, durante uma noite.

Agora é o tempo da fermentação efetuada pelas leveduras naturais. Conduzimos-la em cuba de inox autoreguladas, de pequeno volume, ou em barricas

Os controles são minuciosos. Esse artesanato fiel ingressa e prolonga as escolhas precedentes, da seleção de quantidade dos lotes até aos sucos.

Geralmente, a fermentação dura de duas a quatro semanas. De toda maneira, no Sauternes, ela é sempre delicada. Ela é difícil por causa do aprobecimento do mosto, resgate da podridão nobre: deficiência em alimentos azotados, redução da população de leveduras pela débourbage, presença de botriticina, um antibiótico. Também é preciso ajudá-la, mantendo uma temperatura de 20 até 22°. Em princípio, ela para por ela mesma , quando as leveduras produziram o teor em alcoól suscetível de inibí-las ou de matá-las. Dura lei natural! O ideal é obter um vinho a 13.5° ou 14° de alcoól adquirido, ou seja real, e a 4 ou 6° de alcoól em potência, aquele dos sucos não fermentados.

“O envelhecimento dos vinhos dos GRands Crus é muito longa: dezoito meses a dois anos na maioridade dos casos, três anos asvezes. É nesse périodo que elabora-se verdadeiramente o vinho, as vezes em pequenas cubas ou das cubas aos barrís, o mais freqüente em barricas de carvalho novas. Claro, cada propriedade tem sua diferência. Trata-se de favorecer o encontro do vinho com o carvalho que lhe dá sua carga tânica e suas substâncias perfumadas, de baunilha até ao alcaçuz, o cravinho e o cravo. Muitas degustações prepararão os blends e, as vezes, será preciso tomar a dura decisão de não colar o rótulo “Grand Cru Classé 1855” a um vinho cujas potencialidades parecem insuficientes.O envelhecimento, são também as ouillages regulares destinadas a colmatar o vazio deixado nos barris pela contração do vinho ou sua evaporação: o contato do ar oxidaria perigosamente o precioso néctar. É importante também clarificá-lo, após as soutirages, de uma barrica para outra, através da colagem, as vezes através da filtração prudente que precede o engarrafamento.
O “Béotien” é sempre surpreso de assistir a esses trabalhos onduzidas suavemente, lentemente, com o extremo respeito dadas as obras de artes”.

A origem dos Sauternes, história ou lenda?

Nessa adega aos perfumes inebriantes, diante dessas impecáveis linhas de barricas, qual convidado encantado não perguntou ao mestre da adega: “mas desde quando, Senhor, fizemos tais vinhos?”

O mestre da adega sorri, parece embaraçado, diz que nada é certo, que muito enigmas perdurem mas acaba sempre contando duas histórias fundadoras, um pouco míticas como ele quer. A primeira ocorre em 1836. O comerciante bordalês Focke, de origem alemã, teria esperado o fim de longas chuvas outonais para começar as vindimas no seu Château La Tour Blanche em Bommes. Uma vez o sol de retono, os cachos secaram, a podridão nobre desenvolveu-se e o vinho, perfeitamente licoroso, foi um sucesso. Enfim, o acaso e as distantes lembranças das seleções em uso sobre as margens do Rhin teria sido determinantes. A segunda história também evoca o acaso providencial. Em 1847, o Marquês de Lur-Saluces, proprietário de Yquem, acab ficando mais tempo que previsto na Rússia. Ora, ele deu a ordem de esperar sua volta para começar a colhieta. Milagre! Nesse ano de graça, a podridão nobre foi excecional e o vinho prestigioso.

Sem negar essas duas anedotas, os historiadores buscam dados mais complexos. Eles nos informam principalmente que, desde o fim do século XVI, os comerciantes holandeses que dominam o comércio marítimo são muito interessados pelos vinhos brancos. Uns, vinhos para aquecer, daram as águas-ardentes e os outros, macios, serão “trabalhados” sem complexo. Os holandeses acrescentam açúcar, álcool, xaropes e os deixam macerando com plantas. É que eles precisam satisfazer seus clientes dos países nórdicos, fãs de bebidas açucaradas. No século XVII, os holandeses estão bem presentes em Bordeaux e no vinhedo. É óbvio que eles orientaram a reitora de Barsac em direção aos vinhos brancos suaves com açúcar residual mais absolutamente estrangeiro a podridão nobre. Essa reitora, que coresponde mais ou menos DOC Sauternes e Barsac, foi largamente reconhecida. Assim, desde 1613, os notáveis de Barsac redigiram o texto dos “usos e privilégios” deste cru. Em 1647, os membros da assembléia, chamados “jurats” de Bordeaux e os comerciantes holandeses redigem uma “tributação dos vinhos” que situa aqueles das cinco cidades atuais do Sauternes em segunda linha, de 84 até 105 “livres tournois”, imediatamente após os vinhos tintos de “palus” (95 até 105). Melhor, textos precisos de 1666 atestam a prática das vindimas tardias em Bergerac e no Sauternes. Mas será que eram botritizadas?

No final do século XVII, mais ou menos dois terços das produções atuais desenvolveram ou criaram um vinhedo. É porque a nobreza local investiu fortemente em certas propriedades. O movimento continou no século XVIII, mesmo se, por volta de 1740, os vinhos da região têm preços ainda inferiores aos vinhos dos Graves setentrionais e do Médoc, cotados quatro vezes mais, a 1500- 1800 “livres tournois”. Mas os licorosos de Sauternes e Barsac destacaram-se nitidamente dos vinhos para aquecer o “Entre-Deux-Mers”, pagos duas vezes menos, pelos holandeses. Enquanto que no início do século XVIII, a zona vinícola predominante é paralela a Garonne, nos anos 1770-1810 são estendidos ao interior do país, aquele dos montículos de cascalho de Bommes e Sauternes. O papel das famílias Sauvage de Yquem e depois Lur-Saluces, proprietários de Yquem, de St Cricq, de Filhot e de Coutet, mostraram-se preponderante para as escolhes das plantações, das castas brancas e a prática das seleções numa vindima bem amadurecida. Jefferson, o futuro presidente dos Estados- Unidos não errou, ele que veio no Bordalês em 1787 e que, de volta na América, encomendou ao Cônsul dos Estados-Unidos em Bordeaux, 85 caixas de 12 garrafas cujo Sauternes, “a pedir ao Conde de Lur-Saluces”. Na classificação pessoal que ele tinha constituido, Jefferson não tinha esquecido os licorosos de Barsac, Preignac e Sauternes, aqueles de que o Intendente de Guiana Francesa escreveu desde 1741, que só os vindimamos “quando as uvas são quase podres…” E o Intendente de acrescentar que fazemos essas vindimas “ várias vezes para dar mais docura”. É certificar a presença da podridão nobre e o uso das seleções.

A classificação de 1855

No Bordalês, foi na segunda metade do século XVII que aparece a noção de cru. Distinguimos alguns grandes vinhos oriúndos de terroirs particulares, obras de proprietários orgulhosos da qualidade de seus produtos. É o caso, dos vinhos tintos, do famoso quarteto: Haut-Brion, Latour, Margaux e Lafite. Paralelamente, em Sauternes, as grandes propriedades acedem a essa notoriedade oficiosa. Sua especialização na gênese de brancos licorosos oriúndos da podridão nobre ajudaram. Especialmente quanto o périodo de Revolução e do Império, sinistro para o comércio bordalês e as exportações de vinhos, a Monarquia de Julho assegura enfim a retomada. O Sauternes planta e replanta, as vindimas por seleções geraliza-se e os novos clientes de Bordeaux, alemãos, holandeses e belgas, muito se interessam aos grandes licorosos. No lugar dos ingleses e russos, que buscam o melhor do melhor, então os elixires do sauternes.

Diferente de outras regiões, onde a produção pode cobrir um terroir comum a várias propriedades e mesmo a duas ou três vilarejos, em Bordeaux ela corresponde a uma exploitação vitícola pertencendo a DOC, que vende um vinho produzido nessa propriedade ou a partir da exploração que designa a produção. O termo “château” tornou-se, em Bordalês, sinônimo de cru, mesmo se o dito castelo é apenas um humilde edifício . Em Sauternes, os edifícios são quase sempre um castelo no sentido arquitetural e certas adegas, antigas ou ultra-modernas, são as vezes funcionais e esteticamente bem feitas.

Essa noção de cru é tão presente nos anos 1850 que a produção de Yquem, de Coutet ou de Filhot interessa bastante os corretores e que esses grandes vinhos eram então procurados em Paris e nas Cortes reais ou principescas da Europa central e oriental onde o marquês de Lur-Saluces, muito ativo, soube coloca-los na moda. A tal ponto que o preço da barrica dobra em vinte anos. É a época feliz onde, lembramo, o negociante Focke e o marquês de Lur-Saluces aproveitando do acaso feliz que lembram dois contos… plausíveis.

Tudo está então em seu lugar, em 1855, sob o Segundo Império, no momento da Exposição Universal de Paris, onde cada departamento expões uas produções significativas, a Câmara de Comércio de Bordeaux pede ao Sindicato dos Corretores de propôr uma classificação dos maiores vinhos. Esses corretores são considerados como profisionais honestos e independantes que frequentam o vinhedo, degustam, contribuem para estabelecer os preços. Eles são álias os oficiais de justiça ministeriais nomeados por decreto. No preambulo da classificação proposta, eles garantem estrem “cercados de todas informações possíveis”. Eles possuiamde numerosos arquivos das décadas precedentes e das próprias notas de degustação, surpreendentemente precisas. Um pouco preocupados pelas responsabilidades de que foram encarregados, eles assinalam timidamente que sua lista pode “despertar suscetibilidades” e que só “submeteram um trabalho aos holofotes”,os da da Câmara de Comércio. Nos vinhos tintos, ssomente os crus do Médoc e o “Château Haut-Brion” foram classificados, em cinco categorias. Para os vinhos brancos, só os Sauternes e Barsac foram retidos. Um único “primeiro cru superior”, o “Château d’Yquem”, foi distinguido e julgado como acima de qualquer categoria. Foi seguido por nove primeiras cruse de onze segundos crus. A hierarquia parecia então mais severa emSauternes, duas categorias em vez de cinco.

Essa famosa classificação apoiava-se sobre várias classificações anteriores, respeitadas e verificadas pela hierarquia dos preços praticados. Não suscitou nenhuma contestação porque os corretores se contentavam em recompensar châteaux que tinham comprovado sua qualidade.

Os Grands Crus Classés de Sauternes e Barsac beneficiram da publicidade que lhe fora implicitamente feita. Assim, em 1859, o irmão do tsar de todas as Russias, o Grande Duque Constantino, pagou 3049 euros o barril, um Yquem de 1847. Era um preço extraordinário quatro ou cinco vezes mais caro que Latour ou Margaux! Nas duas décadas que seguiram, os crus do Sauternês ultrapassaram freqüentemente os segundos crus do Médoc e várias vezes os primeiros Sua fama foi então estabelecida e essa prosperidade, onde toda a região beneficiava, explica a volta em Sauternes de antigas linhagens aristocráticas, os Pontac, Sigalas, Rolland e outros.

Além da terrível crise do filoxéra que se expandiu álias menos rápido em Sauternes, os grands crus classés conheceram novamente anos de esplendor. Como o gosto pelos “suaves” e licorosos tinha se expandido largamente entre as duas guerras, esses vinhos suportaram satisfatoriamente a crise de 1929. Foi a partir de 1950 que o horizonte se torna muito desfavorável, com um declínio preocupante do gosto pelos vinhos brancos e, ao contrário, um grande entusiasmo pelos vinhos tintos. Os anos sessenta foram tão nefastos quanto, dessa vez por razões climáticas. Muitos investimentos foram bloqueados.
A renovação data dos anos 80, com o muito bom 83 e o excelente 86, semelhante ao magnífico 1937. Isso se explica pelo novo interesse pelos grandes vinhos do Sauternes pela imprensa nacional e, sobretudo, internacional, e pelos novos modos de consumo. Mas as razões determinantes, são a resistência, longa e as vezes exaustiva, da maioria dos grands crus e a aquisição de outras por homens que são literariamente apaixonados pelo vinhedo e o tinham restaurado. A lição que temos é bem clara: a classificação de 1855, que muito precede a aparição das DOC, suscitou um espírito de responsabilidade que se propagou de geração em geração, ela terá em breve cento e cinquenta anos. “Não deixar de honrar o que foi feito por nós”, parece ser a divisa exigente dos 26 châteaux reunidos no Sindicato de Grans Crus Classés de Sauternes e Barsac, que representam cerca de 45% da superfície plantada e 70% do volume de negócio.

Grandes pratos e grandes produções:
as alianças epicuristas

 
Um Grand Cru de Sauternes e Barsac pode ser degustado sozinho, devido ao seu caráter e sua extravagância que inspiram respeito. Durante o final de tarde, os invernos da Inglaterra, da Suécia ou da Alemanhã são mais fríos, mas também o verão debaixo do caramanchão ou do quiosque, perto do jardim, sabemos há muito tempo que nossos vizinhos setentrionais praticavam tão agradável exercício.

Certos pessimistas sussurram que é a única maneira de apreciar esses grandes licorosos: sua suavidade extrema os tornaria refratários na maioria das harmonizações Hoje em dia, esta posição retrógrada, é muito mais que um preconceito, e está sendo rebatida por numerosos apreciadores fiéis e chefes criativos. O que não retoma a dizer qualquer coisa mas a pesquisar harmonizações baseadas na fisiologia do gosto, talvez mesmo o conhecimento das tradições culinares exóticas que, há séculos, formaram harmonizações entre especiarias e açúcares, a carne de aves e o macio de um vinho, os cereais e as frutas, a amêndoa e a laranja amarga. Destacam-se dois grandes tipos de harmonizações: por contraste quando os elementos dos pratos e do vinho opõem-se numa dialéctica do prazer. E por complementaridade, quando acrescentam elementos de mesma natureza: doce mais doce, frutoso mais frutoso. Nos dois casos, cada ingrediente participa a sinergia.

Para começar um jantar, o melão, por seu frescor frutado, pede bem um grand cru. A fruta atrai a fruta e o vinho cresce com um parceiro muito mais modesto. A harmonização é clássica e tranquila. Com o “foie gras”, a exceção parece confirmar a regra porque, geralmente a gordura pede a acidez de algum branco seco que o compõe. Ora que o fígado seja servido frio ou quente, só ou com uvas e maçãs, será muito bem acompanhado por um licoroso. O risco está então na duvidosa adição: gordura + gordura. Se a aliança é tão extraordinária, é que o açúcar do vinho e o sal do figado, estão presentes mas sem ostentação, aceitam uma antitése pacífica. Ao mesmo tempo, a acidez do vinho, pouco perceptível mas bem presente, é valorizada pelo sal e gordura do fígado.Enfim, o casamento se faz na moda chinesa: sal+ açúcar+ acidez +gordura! Em certos casos, a delicada amargura do vinho responde a do figado, sobretudo se esse último envelheceu um pouco.

O exemplo do “foie gras” encoraja os “gourmets”. Tentar um Sauternes sobre uma torta salgada cujo a nota de fumado reuni-se aos aromas empireumáticos do vinho, ou claro em “quenelle” de peixe com molho de nantua. Muito convincente! Com a condição que o conjunto seja bem temperadoe tenha tido uma preparação refinadas que excluem a grelha. A lagosta, o caranguejo, as lagostines podem sublimar um muito velho Barsac ou Sauternes.

Deixem-se seduzir também por rissóis de mexilhões. Os raviolis de ostras com curry, as vieiras com endívas desfiadas, os timos de vitela que preparam alguns grandes chefes girondinos também pedem os grands crus com idade respeitável.

Para continuar, a oferta é grande. Na última década, as cozinhas da França e de outros lugares tem reabilitado os acordos peixes- Sauternes e Barsac. A condição que os primeiros não sejam gordurosos, que sejam cozinhados em molho “mousseline”, holandesa, “normande”, americana, que saibamos utilizar as especiaira. Para esses encontros delicados, os peixes nobres como a sola, o linguado, o tamboril e o bar são maravilhosos.

Com as aves, o vinho tinto pode parecer óbvio. No entanto, do lado do Sauternes, sabemos há muito tempo que um licoroso casa muito bem com um simples frango assado ou um frango ao alho literariamente cristalizado, eles pedem aromas que vêm da “podridão nobre”. A carne das aves é sempre magra, apesar da untuosidade dada pelo cozimento. Ela tem então vocação a harmonizar-se com um vinho branco bem estruturado, viçoso e com muito “bouquet”. A ave cozinhada à chinesa ou na Nova-Orléans é uma excelente harmonização. Num registre mais elevado, é preciso experimentar o frango em bexiga, ligeiramente trufado, ou o pato com frutas, cereja ou pêssego, uva ou laranja. É deleitável. Quantos aos magrets. os sabores dos cogumelos, da trufa discreta, do creme de alho, do “foie gras” que podemos harmonizar com um licoroso. Mas o magret cozinha-se também com cerejas, peras ou… um Sauternes.
Porque o branco chama o branco, temos que enfrentar o que é proibido estupidamente e desfrutar das comidas valorizadas pelos novos chefs ousemos saborear um Sauternes ou um Barsac sobre algumas preparações de carnes brancas. Com o porco, nenhum problema se é cozido com frutas ou se beneficia das receitas asiáticas: os temperos, as frutas, todos os sabores cristalizados preparem o seu paladar a essas harmonizações. Em condições semelhantes, a vitela convém por analogia de aromas ou constrastes macios. Os legumes têm obviamente sua parte, as cozinhas vegetarianas as prátiquem bém, por exemplo em versão quase cristalizadas- a abobrinha e a berinjela são perfeitas- ou associadas à cereais e queijo. Porque não tentar jovens licorosos?

Retorno ao clássico com os queijos fortes como o, “bleu d’Auvergne” ou “Roquefort”. Eles, que contêm os quatro sabores de base, associam-se perfeitamente com os grands cru licorosos. Esquecemos na maioria das vezes outras harmonizações como: com o “Maroilles” ou o “Munster”, queijos com a crosta lavada, ou com queijos de ovelhas de França e de outros lugares. Uma grande vantagem essas harmonizações com os queijos porque a garrafa aberta por essa ocasião pode assegurar o seguinte, ou seja certas sobremesas. Não qualquer uas. É necessário escolher frutas ligeiramente ácidas como os morangos, ou aquelas que usamos para agradáveis saladas: as pequenas frutas vermelhas, os kiwis, a laranja, etc… Segundo a mesma lógica, apreciaremos os grands crus sobre a maioria das tortas de frutas da estação, a torta “Tatin”, a torta “Bourdaloue”. Guerra ao chocolate mas ao contrário, daremos lugar a pastelaria seca, as amêndoas de preferência. E mais humildemente, degustamos esses crus com as “crêpes”, as “gaufres” ou os “pãos perdidos”.

Claude PEYROUTET

Durante muito tempo professor das classes preparatórias no Licéu vitícola de Bordeaux-Blanquefort, Claude Peyroutet, autor desse texto, é também escritor da videira e do vinho apaixonado pelo Sauternes. Ele assinou “ O Livro do Vinho” e “O Grande Livro do Bordeaux” nas edições Solar “Os Vinhos Brancos” nas edições Bordas com o pseudônimo simbólico de Claude Carmenère, “Os Vinhos de França” nas edições Nathan.